Meus estudos não costumam ser muito planejados. Para escolher as leituras que farei, tendo a seguir, mais do que a previsão, a necessidade, o senso de urgência e até alguma intuição. Tentei, por vezes, definir quais livros seriam estudados nos meses seguintes, mas, toda vez que fiz isso, tive de mudar a rota prevista logo nos primeiros dias.
Para alguns de meus amigos, quando se trata dos livros que precisam estudar, deixar-se levar pelas circunstâncias é aterrorizante. Enquanto não vêem diante de si a agenda com a sequência exata daquilo que lerão não ficam sossegados. Alguns, inclusive, montam planos lineares, arquitetados logicamente e com uma sequência perfeita, para seguir nos próximos anos. Há aqueles que chegam ao extremo e planejam as leituras até o fim de suas vidas.
Quando terminam de ler um livro, esses amigos sentem ter cumprido uma missão, como se uma etapa do grande projeto de seu desenvolvimento intelectual estivesse definitivamente superada. Olham para a obra, como se o destino dela estivesse cumprido, restando ser recolocada na prateleira, para transformar-se, agora, em um trabalho de consulta; talvez, em mero ornamento.
Não sou contra os planos de leituras, mas, pensando bem, acreditar que eles são imprescindíveis para o desenvolvimento da vida intelectual é, além de uma baita pretensão, um desconhecimento da própria natureza humana.
Para depositar as esperanças de um projeto de leituras bem sucedido sobre um planejamento detalhado, é preciso imaginar o indivíduo como um aglutinador de dados, alheio às suas circunstâncias, praticamente, equiparando-o a uma máquina. O problema é que esse tipo de sequência de estudos não entra em harmonia com uma vida humana real, que não obedece a crescimentos lineares, mas orgânicos; que não se desenvolve pelo simples e constante acréscimo de informações, mas segue uma dinâmica complexa, muitas vezes, ondular e espiralada.
Uma leitura não é absorvida em todos os seus detalhes, como uma fotocópia, mas é traduzida no interior do leitor, transformando-se em uma versão daquilo que foi lido, com perdas e acréscimos, tornando a obra, na memória de quem leu, mais em uma referência do conteúdo absorvido, do que em uma réplica.
Sendo assim, um livro, depois de lido, não significa que passou a fazer integralmente parte do universo de conhecimento do leitor. Algo dele foi absorvido, mas não tudo. Nem todas as palavras, nem todas as ideias, nem todos os sentidos foram capturados. Sempre há algo que fica de fora, algo que não é percebido.
Livros relevantes precisam ser lidos mais de uma vez; alguns, várias vezes. Não apenas porque a releitura aumenta a proporção de conteúdo absorvido, mas também porque permite leituras diferentes sobre o mesmo conteúdo. As pessoas mudam, seu imaginário aumenta, seus conhecimentos ampliam-se. Assim, a cada leitura, já não é o mesmo leitor, mas outro capaz de absorver mais e melhor aquilo que lê.
Um plano de estudos que queria acompanhar o processo de amadurecimento intelectual precisa possuir maleabilidade suficiente para permitir se conciliar com as mudanças que ocorrem na pessoa. Precisa estar aberto às alterações de rotas, às mudanças de perspectivas, às oscilações dos interesses e necessidades que as circunstâncias da vida apresentam e à própria modificação da personalidade do leitor.
No meu caso, a caoticidade acabou me prestando bem. Como faço as leituras de acordo com minha noção geral do que me falta, meus interesses do momento, minhas necessidades circunstanciais e minhas curiosidades contingenciais, tudo o que aprendi com elas foi se acoplando ao meu espírito de forma bastante natural. Leio o que, acredito, precisa ser lido e vou preenchendo as lacunas conforme percebo a necessidade de suprir as faltas de entendimento dos temas específicos.
Comigo não acontece o que é muito comum com aqueles que planejam tudo: ler livros importantes na juventude, quando ainda não se é maduro o suficiente para absorvê-los da maneira devida, e nunca mais abri-los, por terem sido já superados na sequência planejada, desperdiçando o que uma nova leitura deles poderia proporcionar. Tenho o prazer de ler e reler obras em fases diversas da minha vida, o que, em cada uma delas, representa uma experiência diferente e um novo tipo de aprendizado.
Isso não significa que sou absolutamente contra os planejamentos. Eu mesmo os faço, porém, mais como um mapeamento da minha ignorância, ou seja, como um rastreamento daquilo que preciso conhecer, do que como um caderno de regras que exige ser fielmente cumprido.
Posso não ser uma pessoa muito organizada, nem disciplinada, mas, pelo menos, essa característica da minha personalidade não tem sido um entrave ao meu crescimento intelectual. As circunstâncias têm me conduzido até o encontro das obras mais importantes da sabedoria universal e me ajudado a entender melhor esta existência. Além disso, deixar com que o destino guie boa parte desse processo permite com que eu me depare com surpresas bastante agradáveis, que dificilmente seriam previstas em qualquer planejamento que eu fizesse.
O que parece caótico, na verdade, é uma certa confiança na Providência. E ela não tem me decepcionado.